07 março 2010

Primeiros Momentos ** 1º Dia em Moçambique

  
Brasão de Moçambique

Mapa Administrativo
 
Mapa de Estradas
Lichinga é nome que tomou depois da independência a Cidade de Vila Cabral

 
  
Vista Aérea da Cidade da Beira
  

Chegados aos Adidos o Transmissões, despediu-se dos rapazes.
- Quando voltarem à Beira já estou fora da tropa e pode ser que nos voltemos a encontrar, procurem por mim no bar onde comeram os camarões tigres, o dono daquilo saberá o meu paradeiro.
Os maçaricos abraçaram o velhinho, que lhes tinha dado as primeiras lições de como estar em terras Africanas, muita cerveja, muito marisco e algumas mulheres para animar a malta.

Lá se foram juntar aos que na noite anterior tinham chegado no avião dos TAM. Por ali espalhados, Cabos, Furriéis, Alferes, Tenentes, Capitães, Majores, Tenentes-coronéis e Coronéis, em maioria estavam os Furriéis, que vinham render outros camaradas.
Chegando a vez de Carlos, foi informado, que embarcaria no aeroporto da Beira para Nampula num avião da DETA (Transportadora Aérea de Moçambique) teriam de voltar aos Adidos pelas 11h, para tomarem uma viatura que o levaria até ao aeroporto.

- E agora disse Carlos virando-se para o de Artilharia e o da Saúde.
- Vamos por aí. Disse o Cabo-Verdiano fazer tempo.
- Por mim para onde forem, eu também vou. Atirou o de Almodôvar
- Olhem lá e se alugasse-mos um táxi, para ele nos mostrar a cidade, temos quase 3 horas, ainda dá para vermos alguma coisa, beber umas cervejas e como o marisco é quase oferecido, voltava-mos a dar umas trincadelas nuns gigantes.
- Por mim podes comandar as tropas. Afirmou o de Artilharia.
- E tu pá não vais ter com a louraça. Lembrou-se o Cabo-Verdiano.
- Isso não me sai da cabeça, mas como posso ir? Nem avisar posso, não tenho o telefone da magana.
- E se a gente passa-se por lá? Disse o Almodôvar.
- Para quê? Disse Carlos
- Para a despedida.
- Qual quê não dá tempo, o bom era ficar por cá até amanhã e só depois ir, assim não dá.
- Eu arranjo a coisa. Disse o Cabo-verdiano.
- Como? Respondeu Carlos
- Vamos ao Hospital Militar e tu dás entrada dizendo que tens fortes dores de barriga, assim ficas por cá uns tempos.
- Tu és mais maluco que eu, então eu ia trocar uns dias no hospital, para me darem umas injecções de água destilada, ainda a foda era maior.
- Só queria ajudar.
- Deixa lá, não devem é faltar mulheres lá no Norte.
- Pretas, prova as pretas, que não te arrependes.
Todos riram, com a tirada do Almodôvar.
- Então vamos dar a volta de táxi, ou sentamos, numa esplanada no centro. Interrogou Carlos
- Vamos lá ver as vistas disse o Cabo-verdiano.

Não foi difícil encontrar um táxi e fechar o negócio com o taxista, duas horas por conta deles, mostrando a Beira e alguns arredores.

- O que querem ver? Perguntou o taxista
- Tudo o que nos poder mostrar. Informou Carlos que ia à frente.
- Começamos pelas praias, pode ser.
- Pode, mas tem que terminar numa cervejaria perto dos Adidos.
- Começamos pelo Macuti.
- Macuti ?
- Sim é uma praia onde existe um farol não é longe.
-A praia do Macuti obteve o nome, devido ao cargueiro do mesmo nome, que operava na costa Moçambicana e que acabou por encalhar junto ao farol. Lá foi informando o do táxi

 
Praia do Macuti

 
Praia do Macuti 

 Acácias nas avenidas da Beira

Estação dos Caminhos de Ferro

Moeda corrente em Moçambique

 
Uma das grandes, Um conto de Reis, Mileca grande

Largo Caldas Xavier

Ao fundo Hotel Moçambique onde Carlos se hospedava, quando de passagem pela Beira para Portugal ou de Portugal para a Beira

Cubatas perto da praia

Passaram o tempo entrando e saído do táxi, para melhor verem algum lugar, passaram pelas avenidas largas da Beira. Taxista, mostrou lugares onde se situavam os cafés, os cinemas, restaurantes e ainda deu para uma volta pelo porto. O porto da Beira, servia como porta de entrada e saída de mercadorias para Países limítrofes e antigas colónias Britânicas.

Por fim o do táxi deixou os rapazes junto a uma conhecida cervejaria perto dos adidos.
Não se fazendo rogados, se sentaram na explanada, pediram canecas de cerveja, os célebres camarões gigantes, mais uns caranguejos enormes, a que Carlos achou primos de Santolas, de felpudos que eram, estes recomendados pelo criado negro que os servia.

 Os famosos "Gigantes"

 Os caranguejos

Já quase no fim do repasto se lembrou o Almodôvar de Perguntar a Carlos
- É pá, sei quem te está a chamar nomes a esta hora.
Carlos e o Cabo-verdiano a uma só voz.
- A loura. E todos deram uma gargalhada.
- Vocês estão-se a rir, mas eu estou com pena de não estar sentado a esta hora com a bichinha. A rapariga deve-se ter preparado toda para os preliminares e eu aqui com dois marmanjos, em vez de estar a saborear a febra.
- Isto da tropa, é uma merda, só atrapalha um gajo. Disse o Cabo-verdiano.
- Como é que os “chicos” gostam disto. Falou o Almodôvar com ênfase na palavra chicos. (Pessoal que segue a carreira militar)
- A maior chatice, é que mesmo que adoeças inesperadamente, tens de te apresentar, caso contrário te abrem um inquérito e sais sempre lixado, sabem como é, basta um atraso de um minuto à parada, para ficares fudido até saíres da merda.

Pediram novamente cerveja, para uma rodada e se atiram aos caranguejos.

- Quando voltaremos a comer marisco? Perguntou Carlos
- Eu devo comer, não vou ficar tão longe do mar como tu, que vais lá mesmo para o interior. Disse o Almodôvar.
- Vocês provavelmente ainda vão curtir uma vidinha mais ou menos, mas eu pelas informações que me deram, vou ter uma vida lixada, só espero que aquilo seja um bando de gajos porreiros e que a “chicalhagem”(chicos) não atrapalhe a malta.
- Vais ver que ainda vamos rir, deste tempo que cá passamos. Disse o Cabo-verdiano para desanuviar as nuvens que se estavam a mostrar no rosto de Carlos.
- Deus te oiça, que em vez de maus ventos só sobre uma aragem. Retorqui Carlos.
- São horas. Disse o Almodôvar.
Repartiram a despesa pelos três e se dirigiram novamente para os Adidos. Estava um calor sufocante e com o efeito da cerveja, tinham as camisas completamente encharcadas

Na entrada de um autocarro (machimbombo como se chama em Moçambique) um Sargento ia fazendo a chamada para se irem sentando no interior do mesmo. Iniciaram o percurso que a noite anterior não deu para ver. Já, no aeroporto, Carlos se vira para os dois camaradas de jornada e pergunta.
- Eu tenho-me que apresentar no Agrupamento de Engenharia, como é com vocês?
- Eu no Hospital Militar de Nampula. Disse o Cabo-Verdiano
- Eu no Quartel-General. Disse o Almodôvar.
- Não devemos sair de Nampula, hoje isso só deverá ser amanhã ou nos dias seguintes. Disse Carlos
- Tens razão, em principio devemos mesmo ficar em Nampula esperando transporte.
- Se vocês concordarem, juntamo-nos na messe, logo que possível, assim já devemos saber como vai ser o transporte de cada um.

Concordaram os outros dois.

Pelo altifalante da aerogare, lá ouviram chamar para o voo da DETA para Nampula. Outros estavam ali para seguirem para os mais diversos lugares, uns para Tete, outros para Lourenço Marques e outros ainda para os mais diversos destinos em Táxis Aéreos.

Foram os três caminhando pela pista, juntamente com outros camaradas e gente civil que se tinha deslocado à Beira, ou se deslocava a Nampula. Carlos reparou em dois casais jovens, que tinham chegado da Metrópole.
- Casadinhos de fresco, estes. Pensou Carlos.
À frente do grupo seguia uma hospedeira, que os levou junto a um avião ainda a Hélice o “Friendship”, que tempos mais tarde, e como nada mais tendo para fazer, Carlos ia até ao aeroporto de Vila Cabral para ver quem chegava ou partia.
Entrando dentro do avião em lugares muito apertadinhos, lá se iam sentados os passageiros, os sacos desta vez, iam no bojo do avião. O voo seria directo e demoraria aproximadamente 2 horas. Carlos não pensava no almoço, apesar de já passarem das 12h, os camarões e os caranguejos, ainda nadavam em cerveja no seu estômago.
Põe fim lá partiu o avião, com um barulho ensurdecedor ao encontro do próximo destino “ Nampula”.
- Isto é uma lata de sardinhas, comparado ao Boeing. Disse o de Artilharia.
- Pois é, levo o cu mais apertado, que salsicha  em lata, no raio do banco. Respondeu Carlos
Uma coisa já eles tinham reparado, as moçambicanas, brancas e mulatas eram lindas e a hospedeira, não fugia à regra, esguia e muito bem feita.
- A medida do sapato, pelo qual o meu pé chora. Disse o Almodôvar.
- É muito engraçada mesmo. Aprontou o Cabo-verdiano
- Bem pode chorar o pezinho do menino. Disse Carlos sorrindo.

Durante o voo foi servido um breve almoço, em que nenhum dos três tocou, todos eles pediram só um café.
Todo o voo correu sem qualquer incidente, o dia estava limpo sem nuvens o que deu para verem o matagal e de vez em quando, algum ajuntamento de palhotas indígenas ou pequenas vilas já com casas e não só palhotas. Estranharam não existirem muitas estradas, era mais de picadas ou estradas de terra batida.

Marcava 14:30 h quando Carlos olhou para o relógio, na chegada ao aeroporto de Nampula.

Karl d'Jo Menestrel
06/03/2010


03 março 2010

Primeiros Momentos ** Na Beira e a 1ª Noite

Continuação…

Se meteram todos no Carocha do Transmissões, que dando “raters” pelas avenidas da Beira, lá ia carregando os rapazes.

- Diz lá então onde vais pagar a rodada. Indagou Carlos ao Transmissões.
- Vais, ver, pois estamos perto
- Mas é para fora da Cidade. Perguntou o Cabo-Verdiano, que de aquecido pelos dois litros de cerveja, já tinha alguma dificuldade em vislumbrar por onde ia passando.
- Não, estamos perto. Disparou como resposta o Transmissões

Por fim o Carocha, parou junto a uma casa de aspecto mais ou menos discreto, com uma simples tabuleta, junto à porta e por sinal muito mal iluminada onde se podia ler “Boite – Gato Preto”. À entrada um matulão de um negro, vestido da mesma cor, onde não era difícil adivinhar onde ficavam os olhos.
Saíram todos do automóvel.
O Transmissões dirigiu-se ao negro e trocaram algumas palavras, os três puderam ver o sorriso branco como a neve que o africano esboçou.

- Vamos lá então à rodada de cerveja, não pagamos entrada, nem consumo mínimo, só pagam o que beberem, sendo a primeira rodada de cerveja por minha conta.
Carlos encolheu os ombros e seguiu o Transmissões, logo seguido pelos outros dois maçaricos.

A primeira sensação que Carlos sentiu foi de mal-estar, um cheiro totalmente diferente dos que já tinha sentido antes, um cheiro que não conseguiu descortinar no imediato. Virou-se para o Transmissões e perguntou.
- Que cheiro é este pá, esquisito e olhou para os outros dois como que interrogando-os mentalmente.
- O cheiro tem cerveja, tabaco e catinga. Disse o Cabo-Verdiano
- Catinga? Interrogou Carlos
- Catinga é cheiro de preto, preto quando sua, cheira a catinga. Sorriu o Cabo-Verdiano enquanto descrevia o cheiro.
- A porra é forte, eu não diria catinga, será antes sulfato de merda. Aprimorou o Almodôvar sorrindo.

O Transmissões chegou-se a uma das mesas, junto a um grande circulo de cor amarela, desenhado no centro da grande sala.

- Vamos sentar aqui, disse o Transmissões. E se sentou
- Não pá aqui não dá, vamos para junto daquela parede e apontou uma mesa disponível. Disse Carlos
- Por mim está bem, mas porquê ali e não aqui, perguntou o transmissões.
- Porque não gosto que me pulem nas costas enquanto bebo uma cerveja. Respondeu Carlos enquanto sorria.
- Tens razão, disse o Almodôvar e continuou.
- Para primeira noite, vejamos primeiro como é o teatro de operações para poder executar o ataque. E se riu de si próprio, todos deram uma gargalhada e rumaram à mesa escolhida por Carlos, que ficava um pouco distante do balcão do bar e de fácil acesso à porta de entrada e com as costas protegidas pela parede.

Todos se sentaram, mas logo se levantou o transmissões dizendo que ia cumprimentar o dono da “baiuca” que estava no balcão.

- Já reparam que isto está cheio de gajas boas. Disse o Cabo-Verdiano
- Não pá, estou ceguinho, não vejo nada, estou é a precisar de uma cerveja mesmo para abrir os olhos. Deu como resposta o Almodôvar.
- Tenham cuidado com a cerveja, não apanhem a cardina, que amanhã “tambeim“ é dia. Deu de aviso Carlos, iniciando uma conversação com o “matarruano” do Almodôvar.
- Faz como entenderes, mas se este “gado” está aqui para foder, eu também quero. Afirmou o Almodôvar.
- Não penses nisso, isto é perigoso, é pior que bordel.
- As gajas tem que ter licença para atacarem aqui, isso quer dizer que tem inspecções médicas periódicas.
- Tu é que sabes pá, o caralho é teu.
- Vou mesmo partir para o ataque, vais ver e vou comer uma preta.
- Uma preta catingosa? Indagou Carlos
- Quero lá saber da catinga, as pernas da gaja até as ponho de lado.
- Porra, este gajo é fudido, está mesmo de cair numa gaja qualquer. Meteu-se na conversa o Cabo-Verdiano.
- Uma gaja qualquer, nada. Uma preta mesmo. Afirmou vincando o Almodôvar.

Os três riram.

Chegou por fim o Transmissões, sentou-se e perguntou.
- Então, que tal está o ambiente.
- Pesado. Respondeu Carlos
- Pesado? Interrogou o Transmissões.
- Este gajo quer comer uma preta hoje. Retorqui Carlos enquanto fazia um sinal com o queixo na direcção do Almodôvar.
- É pá é só escolheres, que eu trato do resto. Disse para o Almodôvar.
- Tá bem, quanto custa a bucha? Perguntou o Almodôvar
- Quinhentos paus. Informou o Transmissões.
- Quinhentos paus!!! Isso era o que eu oferecia para comer uma virgem lá na terra. Mostrando uma cara de espanto, para os outros.
- Virgem, nem no cú, tu aqui apanhas disso. Disse Carlos enquanto dava uma sonora gargalhada.
- Quero lá saber, hoje vou provar carne de preta. Afirmou o Almodôvar.
- Deve ser por causa do porco Alentejano, que o gajo está de ideias fixas.
- É pá sei lá o que me acontece amanhã, assim faço já hoje a prova.
- Tu estás a ficar marado e só chegaste a algumas horas, o clima está a chegar para ti.
- Faz tu o que entendas de melhor, mas eu vou comer uma gaja hoje.
- E preta, retorqui Carlos. Colocando todos na gargalhada.

Junto da mesa, chegou uma africana com quatro cervejas e dois pratinhos com caju, o raio da moça era muito bem feita, teria para aí uns dezoito, dezanove anos e ao se debruçar sobre a mesa para colocar as cervejas, o fez de maneira a salientar o traseiro, enquanto mostrava os roliços e firmes seios.
O Almodôvar aproveitou a deixa da apresentação.
- Tens tudo no lugar certo.
- Pois, mas não é para tu brincares. Disse a rapariga
- Olha, não sabes bem o que perdes, dou-te uma “berlaitada“, que numa mais esqueces e te pago pelo serviço.
Ela olhou para o Transmissões, como indagando.
- Ela tem dono pá, é o patrão, não causes confusão.
- Que pena.

A africana se afastou, gingando todo o corpo, rodopiando sobre os dedos dos pés, colocando sem norte o Almodôvar.

- É pá, aquilo é mesmo a medida do meu sapato. Afirmou o Almodôvar, não despregando os olhos do traseiro da moça.
- O que não falta são raparigas por aí, o que tu queres? Interrogou o transmissões.
- Uma preta, nova e boa “comó” milho. Retorqui o Almodôvar.
Carlos e o Cabo-Verdiano, estavam expectantes sobre as pretensões do Alentejano.
- Escolhe do leque que estão naquele canto.
- A de vermelho e cabelo liso, disse o Almodôvar. Que já as tinha debaixo de olho à algum tempo.
O transmissões olhou para a moça e fez um sinal para ela vir para a mesa, com ela veio uma alta e um pouco forte mulata, a de vestido vermelho tinha os cabelos pintados da cor das cenouras.
Chegaram junto da mesa e a do vestido vermelho perguntou para o grupo olhando todos.
- Oferecem-nos uma “Laurentina”
Logo o “matarruano”, alentejano e natural de Almodôvar interveio.
- Olha, senta mas é aqui. Batendo com as mãos em ambas as coxas
- Vou buscar então uma cadeira. Na volta a de vermelho sentou-se junto ao Almodôvar.
- Senta aqui pertinho “minha”. Disse o Cabo-Verdiano para a mulata.
- Pêra aí. E foi por uma cadeira para se sentar junto ao Cabo-Verdiano.
- A mulata abraçou o Cabo-Verdiano e lhe deu um valente beijo na face.
- Pede lá as “Laurentinas “. Disse o Cabo-Verdiano, que tinha enrubescido as maçãs do rosto.
- E então tu, ficas sozinho? Perguntou a negra para Carlos
- Estou a ver as modas, depois te digo se quero e o que quero.

Ao som de um Playback musical começou a cantar ou a gemer uma artista no palco, loura, cintura de abelha, pernas fortes, não muito alta, de mini-saia e com uma camiseta branca, que lhe realçava o busto, a rapariga não era desengraçada de todo.
Carlos se virou para a negra e em tom de brincadeira e sorrindo.
- Olha já escolhi.
- Qual delas queres que chamo
- A que está a cantar.
- Aquela! Não queres mais nada. Disse o transmissões.
- Ou aquela ou nada. Virando-se para "cenoura"
- Está bem, eu já lhe digo. E fez qualquer sinal para a moça que Carlos não conseguiu ver, nem descortinar sinal de resposta da loura.
- A mesa começou a animar com o Almodôvar atacando a “cenoura” e o de Cabo-Verde a dar as primeiras passagens de mão nas coxas da mulata.

Carlos ia-se recriando a ver o rebolar das ancas da loura enquanto cantava.
- É pá, estou a ficar com cara de parvo, ao vê-los para aí no “esfreganço” e a ficar na plateia. Atirou Carlos para a Mesa, chamando de seguida a miúda que tinha servido a primeira rodada.
- Traz lá as manas das primeiras, para todos. Disse Carlos à moça
- O Quê?
- Traz lá mais seis “Laurentinas” e uns pratinhos para acompanhar. Informou o Transmissões para a moça, descodificando o que Carlos pretendia.
- Há!. E foi buscar as cervejas.

Já as cervejas iam a meio, quando a loura cantora, se chegou à mesa e se encostou à negra de vermelho.
- Numa boa, não?
- Estava esperando por ti para entrar na festa. Disse Carlos enquanto se levanta e retirava uma cadeira de uma mesa próxima.
- Queres te juntar ao grupo? Interrogou Carlos
- E vais ser o meu parceiro na festa? Perguntou a loura a Carlos.
- Se a festa meter arraial eu alinho. A loura sorriu e sentou-se coladinha a Carlos.
- Não dá para acreditar. Disse o Transmissões.
- Que queres estou sozinha, o parceiro foi de férias para a Metrópole.
Carlos, a loura e o transmissões sorriram.
- Queres tomar alguma coisa? Disse Carlos
- Não, quero brincar.
- Brincar, aos papás e ás mamãs?.
- E tu não queres?
- Vai lá mais devagar, primeiro diz-me quanto custa a renda da casa.
- Ela sorriu, se formos agora é mais económico.
- Quanto?
Ela chegou perto do ouvido de Carlos.
- Metade de uma grande, mais o táxi.
Carlos lembrou-se da conversa com o Almodôvar e retorquiu.
- Por acaso és virgem ou só assanhada?
Ela deu uma gargalhada, agarrou Carlos pelo pescoço e ao ouvido novamente e num tom meloso.
- Assanhada
-Carlos sorriu
Carlos interpelou o transmissões.
- A Senhora pediu-me para a levar a casa, tem medo da noite, como é? Esperam por mim ou tenho que me fazer à vida.
- Já? Interrogou o Almodôvar.
- Não é já, é agora, antes que a cerveja faça efeito.
- Vamos, disse o Almodôvar para o Cabo-Verdiano
- Vamos todos no mesmo táxi, disse loura.
- Moram todas na mesma casa? Perguntou Carlos
- Temos Flats separadas, mas no mesmo edifício.
- Flats, o que é isso? Carlos não conhecia o termo
- O mesmo que apartamento. Informou a negra.
- Então esperas? Perguntou ao transmissões.
- Espero, vão lá, mas não demorem.
- Isso não sei, enquanto não der cabo dele, ele não volta. Disse a loura
- Poupa o moço, que é a primeira noite africana.
- Aí que bom. Disse a mulata e sorria
- Eu te dou o “aí que bom”. Retorqui o Cabo-Verdiano, enquanto lhe apertava um dos glúteos.
- Não comeces já a estragar, poupa-te que tens muito trabalhinho pela frente. Disse sorrindo a mulata

Todos sorriram, entretanto o transmissões, chamou a moça das cervejas e pediu a conta e para chamar um táxi. Pagaram as rodadas e saíram para a rua, onde o preto matulão lhe dá um sorriso de cumplicidade. De tanto que estavam entretidos com os novos brinquedos nem deram pelo que o negro disse.
Meteram-se no Táxi, sentando-se os seis no banco de traz, ficando as raparigas nos joelhos de cada um. De tanto entretidos estavam, que não deram por o Táxi parar junto a um edifício bem alto, dos mais altos da Beira, junto à estação dos Caminhos de Ferro.

-Vamos. Disse a loura, saltando para a avenida.
Meteram-se no elevador e subiram ao 5º andar do edifício, seguindo as parelhas para o apartamento das arrendatárias dos mesmos. A cantora abriu a porta e logo disparou.

- Fica á vontade. Desaparecendo numa das portas do pequeno corredor.
Carlos que estava alagado em suor, pela noite tropical e pelas cervejas, retirou a camisa, ficando de tronco nu. Apetecendo-lhe passar a cara e o tronco por água, pergunta.
- Onde fica a casa de banho?
- Só tenho uma e estou cá eu.
Seguindo a voz, Carlos percorre em poucos metros que o afastam da porta, que abre.
- Podes continuar, que só quero lavar a cara e o tronco.
- E não podes esperar?
- Para atrasar a festa?
- Eu já te dou uma toalha lavada para te limpares.
Carlos começou a passar a água pela cara, quando sentiu as mãos da loura percorrendo o seu tronco com uma espoja húmida.
- Assim é muito melhor com direito a massagem. Disse Carlos
Carlos limpou a cara na tolha ofertada, enquanto a loura lhe limpava o tronco e o peito. E pensou para consigo, “vai ser uma noite linda, vai”.
A loura interrompeu o pensamento de Carlos.
- Vamos?
- Porque esperas. Disse Carlos seguindo a loura até ao quarto da mesma, todo arranjado e com aspecto de limpo.
- Tens um quarto todo catita.
- Não sou eu que trato dele, é uma negra que tenho como criada. Foi esclarecendo enquanto retirava as roupas nos maiores vagares e provocação.
- Não tiras as calças ou embarcas mesmo calçado. Continuou a loura provocando.
- Estou a deliciar-me com o teu maneirismo.
- Vem aqui. Batendo com a palma da mão no baixo-ventre.
- Espera um pouco. Disse Carlos enquanto se desfazia do resto da roupa.
- Eu tenho que pagar para me satisfazer, quanto pagas tu se ficares satisfeita? Perguntou Carlos enquanto sorria.
- Deixa-te de brincadeiras parvas e vem espetar a lança em África. Disse a loura, sorrindo enquanto passava as mão pelos mamilos.

O “piston” de Carlos estava em estado de bengaleiro para botas militares.

Do rega-bofe e das cavalgadas da batalha que se seguiu, não reza a história só se sabe que não existiu vencedor nem vencido, ambas as partes saíram satisfeitas do campo da contenda.

- Me sabia bem um banho agora. Disse Carlos
- Vamos os dois disse a loura. Levantando-se e caminhando para o pequeno w.c. do apartamento.

Já com água a correr pelos corpos, Carlos puxou a loura pelos glúteos contra o seu corpo.
- Por hoje basta, se quiseres aparece pelas onze horas e nos divertimos mais um pouco e depois almoçamos por aí.
- Se aparecer, só pago o almoço, as entradas ficam por tua conta. Disse Carlos com a loura colada ao seu corpo. A loura lhe deu um beijo por baixo do lóbulo da orelha.
- Não te pedi nada, pois não.
- Não.
- Fica combinado, espero por ti então.
- Eu tenho de estar nos Adidos para me apresentar, depois e se der venho ter contigo, aqui ao apartamento.
- Olha, queres comer alguma coisa, estou com fome e vou beber uma caneca de leite com pão e queijo, anda senta-te aqui comigo.
- Não, fome não tenho, se tiveres por aí um copo de água e um café bem forte faço-te companhia.
A loura levantou-se e foi fazer um café e serviu-lhe um copo de água, que retirou de um garrafão. Só se sentou quando o café já estava pronto. Sentados os dois à mesa Carlos perguntou como ela veio parar a Moçambique.
- É uma longa história. Começou a loura
- Eu sempre gostei de cantar e quando fui estudar para Coimbra, comecei a frequentar os bares onde existiam orquestras, podendo assim satisfazer o meu gosto pessoal.
Carlos continuava calado enquanto a loura contava parte da sua vida.
- Não frequentava a Universidade, pois saía dos bares bastante tarde, assim perdi o primeiro ano e o segundo, estas coisas sabem-se na terrinha e meu pai veio a saber, um dia entrou pelo bar onde eu estava a actuar e me arrastou para fora. Fiquei revoltadíssima e rapidamente tomei a decisão de abandonar a família, refazendo a minha vida. Naquela altura existiam bastantes estudantes de Moçambique que diziam maravilhas desta terra, não tardou nada e estava em Lourenço Marques a actuar, isto foi o ano passado, depois surgiu o convite para actuar aqui na Beira.
- Não me quero meter na tua vida, mas podias encontrar um emprego, na área que estudavas e terminar o curso, refazendo a tua vida e deixando a noite.
- Que pensas tu que eu quero, quero abanar a árvore das patacas por um ou dois anos e tirar um curso em Lourenço Marques e começar uma vida nova. Pensas que vou com qualquer um para a cama, estás todinho enganado, engracei contigo e me apeteceu, tiveste sorte. E riu-se colocando a cabeça de lado, deixando cair os cabelos sobre o braço de Carlos e contínuou.
- E tu, por onde andaste até seres mobilizado?
- Diz-me uma coisa, pois fiquei curioso, mas se não quiseres responder não respondas, de onde és? Perguntou Carlos
- Não conheces, mas podes saber, sou de uma aldeia perto de Penacova, conheces?
- Conheço, uma empresa do meu pai, fez o abastecimento de água a todo o concelho, deve fazer “pr’aí” dez ou doze anos.
- Eu lembro-me, era uma empresa do Alentejo, tu és Alentejano?
-Não, mas é como se fosse, levaram-me para lá com sete meses.
- Olha que engraçado, não me vais dizer que és Beirão?
- Digo, nasci a quarenta quilómetros de Coimbra, isto é entre Tomar e Coimbra, no Concelho de Ansião.
- Tive um amigo que era dessa zona de Alvaiázere.
- Esse é um concelho pegado ao meu, um pouco mais para Sul.
- Vá, diz lá o que fazias antes de vir cá parar.
- Estudei e Trabalhei
- Ao contrário da tua experiencia, fui eu que pedi ao meu pai, para deixar Lisboa e voltar para Évora, estava bastante envolvido na noite e durante o dia ainda me entretinha com duas gatas da Batalha que serviam no refeitório da Direcção Geral de Hidráulica, onde tomava as refeições, eu dormia num quarto alugado no mesmo edifício, que elas trabalhavam.
- Que curso abandonaste.
- Engenharia e tu.
- Farmácia.
Sorriram os dois da aventurosa vida.

A loura terminou a pequena refeição.
- Vamos.
- Vamos lá, disse Carlos

Ela chamou um táxi, e voltaram para a Boite, desta vez Carlos viu sorriso da cumplicidade do porteiro.

Já lá esta o Almodôvar e o Cabo-Verdiano com o transmissões, junto a eles a cenoura e a mulata.
- É pá custa-te a vir não. Estamos à uma eternidade à tua espera. Disse o Almodôvar sorrindo.
- A culpa foi da cerveja. Respondeu Carlos sorrindo
- Então como foi a primeira noite em África. Atirou a negra a Carlos.
- Cheguei, vi e venci. Respondeu Carlos no mesmo tom.
- Convidei-o para almoçar amanhã. Disse a loura
- O quê? Perguntou o Almodôvar.
- Que queres pá, dá direito a banquete. Interrompeu Carlos, dando uma gargalhada.

O transmissões, pediu a conta e desta vez foi repartida entre eles, despediram-se das miúdas, com promessa que se voltassem à Beira as procurariam.
Dirigiram-se à para a porta e o transmissões levou-os ao hotel. Estava a começar a clarear o dia.

- Olha lá, como vamos amanhã para os Adidos. Perguntou Carlos.
- Vocês não vão dormir agora, tomam banho, vestem a farda e eu daqui a três horas venho busca-los e deixo-os nos Adidos.
- Porra, estou todo partido, disse o Cabo-Verdiano, apetecia-me era cama mesmo.
- Da cama vens tu pá. Disse o Almodôvar, rindo.
Tocaram a campainha do Hotel e o dono do mesmo veio abrir a porta, eram perto das cinco da manhã.
- Companheiros, isso é que foi uma noite!
- Agora banho e mata-bicho depois. Respondeu Carlos
- Só pelas sete é que temos pão.
- Boa hora mesmo, então aqui ás sete disse Carlos para os outros dois e se dirigiram para a escada de acesso aos quartos.

Pelas sete começaram a aparecer na sala para o pequeno-almoço, depois de banho tomado, devidamente ataviados e com os sacos de campanha. Sentaram-se os três a uma mesa e iniciaram o historial com as miúdas da boite.
O Almodôvar, se apressou a dizer, que ficou tratado por algum tempo, que ainda não tinha apanhado nada igual.
- Eu bem queria comer uma preta, acreditem nem dei pela catinga.
- E tu como te entendeste com a mulata? Perguntou Carlos ao Cabo-Verdiano.
- Aquilo foi muito rápido, rápido demais ela despachou-me em três tempos eu não me segurei e pronto.
- E tu? Perguntou o Almodôvar a Carlos.
- Escapou.
- Escapou? Interrogaram o Almodôvar e o Cabo-Verdiano em uníssono.
- Bem, a gente se entendeu muito bem, foi até o corpinho aguentar, ainda tomei banho e bebi um café.
- Estás a reinar? Disse o Almodôvar.
- Não estou nada pá, não ouviste ela dizer que me tinha convidado para almoçar.
- E vais?
- Se der tempo, vou, que tenho a perder?
- Tiveste cá uma sorte.
- Olha o finório, com direito a banho e bucha. Afirmou o Cabo-Verdiano.
Riram todos.
Tomaram o pequeno-almoço, entretanto chegou o transmissões, ofereceram o mata-bicho, que não aceitou.
Carregaram os sacos para o carocha, rumando depois para os Adidos.

Karl d'Jo Menestrel
03/03/2010

21 fevereiro 2010

Primeiros Momentos ** Na Beira e a 1ª Noite


Vista parcial da cidade da Beira

Se ajeitaram nas cadeiras do avião, para o percurso final, não se ouviam conversas no início do voo, era a parte final do percurso.

Carlos começou a recordar os ensinamentos de que tinha sido imbuído nas longas palestras como tratar o africano, a sua maneira de ser e até mesmo como era a dispersão das diversas línguas faladas, as demonstração iam desde a maneira de vestir, estar e organização social das diversas etnias. Não poderia dizer que não tinha conhecimento das gentes africanas, mas uma coisa era os livros, o contar de experiências, outra era encontrar a própria natureza viva e esse desconhecido lhe proporcionava algum mal estar, fora educado para controlar e não a ser controlado, gostava de saber sempre o terreno que iria pisar e tudo para ele era como desconhecido, apesar da preparação se sentia algo inseguro.

Passado algum tempo de voo, lá foi servida um ligeira refeição que a Carlos, mais pareceu um pequeno lanche, ainda pensou. É preferível a barriga mais vazia que cheia e sorriu para si mesmo da azougada ideia de à chegada não existir nada para comer ou beber, visto a hora tardia da chegada.

Mergulhado nos pensamentos do que encontraria no final do voo adormeceu.

Acordou, com uma valente cotovelada, que o Cabo-Verdiano lhe deu. Acordou de olho arregalado e levemente dorido, virou-se para o companheiro de cadeira.

- Porra, essa doeu.
- É para não te esqueceres de mim, do preto que te pôs as costelas dentro para te acordar. E se riu o Cabo-Verdiano, que de preto tinha pouco.
- Preto, mas tu não és preto Pá. Retorquiu Carlos
- De todo não, Mas tenho mais café no sangue, que leite. Disse enquanto sorria o Cabo-Verdiano, o que fez Carlos rir também
- Mas onde é o fogo então. Disse Carlos
- Nos estamos a aproximar da Beira,
- Caramba, ainda dormi um bom bocado disse Carlos.

O Avião iniciou a descida e a aproximação à pista do Aeroporto Internacional da cidade da Beira.


Aeroporto da Beira

Desta vez o tocar no solo não foi tão suave como em Luanda, a travagem foi mais brusca, os motores fizeram-se se ouvir com mais potência e uns solavancos se sobressaíram.

- É pá, era bom, eu ficar na Beira a tapar estes buracos. Afirmou Carlos com um sorriso de circunstância.
- Não querias mais nada disse o Cabo-Verdiano.
- E agora como é? Perguntou Carlos
- Sei tanto como tu, mas não tarda ficamos a saber as linhas com que vamos nos coser.
- Tu queres dizer, com nos vão cozer com “z”.
Riram os dois da peregrina ideia que Carlos teve.

O Cabo que estava a servir de comissário de bordo se aprontou para abrir a porta do avião para o desembarque. Carlos ia à frente do Cabo-Verdiano, ao chegar à porta e no inicio da escada parou, o sufoco do ar era grande e ele ficou todo transpirado e de imediato sentiu a camisa toda alagada, apesar de ainda estar com uma camisola interior de protecção contra o frio da madrugada no embarque. Lhe deu logo a vontade de retirar a gravata, olhou se algum a tirava, como ninguém a retirava a manteve, deu para ver que todos os outros tinham sentido o primeiro choque africano. Existia no ar um cheiro diferente do cheiro da metrópole, aqui era um cheiro intenso a terra e com odores que não conseguia ainda atinar.

Percorreram o espaço do avião até à aerogare num autocarro, onde todos iam de pé, não existiam lugares sentados.
O Autocarro parou frente da aerogare e todos em fila para lá se dirigiram, não existiu alfândega, nem controle de documentos de entrada.

Carlos parou no grande átrio de entrada e saída do aeroporto, e tentava vislumbrar a existência de algum atendimento, mas tudo estava fechado.
Com ele estava o Cabo-Verdiano.

- E agora?
Atirando a pergunta para o ar, Carlos ia movimentando a cabeça de um lado para o outro na tentativa de saber os passos a seguir. Mas não encontrou resposta à pergunta, junto a eles chegou o de Almodôvar.

- É pá, como é a partir daqui? Dirigindo a pergunta a Carlos.
- Estamos cá todos, acho eu. Acabou por dizer o Cabo-Verdiano.
- Vamos esperar para ver. Disse Carlos, enquanto puxava por um cigarro, o mesmo fez o de Artilharia.

Não tardou se ouviu um altifalante.
- Senhores Sargentos, os aguarda uma ‘Berliet”, para os levar para a messe de Sargentos.
O Mesmo se passou com os oficiais e praças, cada um com destino próprio.
O de Artilharia, virou-se para Carlos e para o Cabo-Verdiano.
- Lá vamos nós.
Se dirigiram à porta da saída do Aeroporto, ainda não tinham percorrido metade da gare, quando foram interpelados por um indivíduo à civil que os interrogou.
- Vocês querem trocar algum dinheiro vosso, notas de Moçambique.
Carlos sorriu, na abalada um cigano, à chegada um a negociar dinheiro, isto vai de mal a pior pensou Carlos
- Dou vinte por cento mais, por cada cem escudos da Metrópole dou cento e vinte escudos de Moçambique, não tenham receio, sou furriel tal como vocês e tratou de mostrar o cartão militar.
- Tens de dar mais um pouco disse Carlos.
- Não, é tudo o que posso dar.
- Nada feito, retorquiu Carlos.
- Olha, fazemos negócio, e eu levo vocês à messe, ou a onde quiserem ir.
- Onde nós quisermos ir?
- Vais ver, que quando chegares à messe, o Sargento da Guarda, vai dizer que não tem camas disponíveis e que se desenrasquem e terão de ir procurar hotel. Sei isso porque me sucedeu o mesmo e já lá vão dois anos.
- Mas de que arma és tu. Interrogou Carlos.
- Transmissões
- Mas isso é Engenharia disse Carlos.
- Pois é, mas já estou a terminar a comissão.
- Então porque andas a trocar a Massa.
- Para a vender aos Indianos e ganhar mais uns cobres, depois coloco a massa na minha conta da Metrópole. E ali mesmo deu uma breve explicação de como as coisas se passavam com o capital.

- Ok. Te dou dez contos (Dez Mil Escudos) e me dás doze em moeda moçambicana, está feito. Logo foi feita a troca. O Cabo-Verdiano e o de Almodôvar aproveitaram a deixa e trocaram dez das grande cada um.

Foram todos para o carro do de Transmissões, a Estrada não era muito larga e a noite estava escura, os faróis iam iluminando o bordejar da mesma, mostrado frondosas árvores. O carocha (wolksvagem), lá se ia aguentando com a carga, mesmo nos arranhões que levava na caixa de mudanças e dos “raters” que ia dando.
- É pá este carro, faz um cagaçal dos diabos no escape. Se referiu Carlos à barulheira que o carro ia fazendo.
- É gasolina de avião, disse o de Transmissões.
- Porra, usas a tropa em tudo. Disse Carlos
- Tu vais aprender, que aqui o que vale mais é o desenrascado.
- Estiveste no Norte?
- Mueda, Cabo Delgado, depois me mandaram para aqui e estou no fim, mas não volto para a Metrópole, conheci uma mulata e vou ficar por cá.
- Eu vou para Mueda, disse o Cabo-Verdiano
- Desde que não saias de lá, não é mau, aquilo é terra de Macondes, e Maconde não é bom, logo aprendes.

- Ainda não percebi bem essa história do dinheiro. Disse Carlos, explica lá isso melhor.
- É simples, eu mando o dinheiro que me deixam enviar para o meu pai levantar lá, ele levanta o dinheiro e mo manda novamente dentro de latas com chouriços, vendo os chouriços e troco pelo dinheiro de cá, o dinheiro moçambicano o volto a trocar com vocês que vão chegando e precisam de trocar a massa, só te posso dizer que já ganhei para esta lata e já quase chega para comprar uma casa.
- E o que vais fazer cá, quando despires a farda?
- Já tenho emprego garantido numa empresa que vende equipamento electrónico para embarcações e a mulher já trabalha numa companhia de seguros.
- Tens a vidinha já definida, não?
- Já isto por cá é melhor, que em Portugal.

Firam todos em silêncio, o condutor do “carocha peidão” e os maçaricos acabadinhos de chegar a terras africanas.
Chegados à messe, o de Transmissões, acompanhou os três á Messe e como ele tinha preconizado, não existia disponibilidade de camas, muitos mais estavam lá, sem saber o que fazer e iam recebendo indicações sobre pensões por ali perto e da hora que se deviam de apresentar no outro dia.

- Eu levo-os a um pequeno hotel, limpo e barato de uns minhotos, vocês ficam bem instalados e não apanham sarna, que é o que mais se apanha nesses hotéis de passagem.
- Por mim confio em ti.
O Cabo-Verdiano e o de Almodôvar anuíram.
- Começamos os três, enquanto estivermos juntos, não nos vamos separar. Disse o de Almodôvar.
- Riram os quatro.

O de Transmissões os levou a um pequeno hotel, arejado, ar condicionado, bar refrigerador no quarto e que não acharam muito caro.

- Vão tomar banho que estão todos suados, vistam uma roupa civil e voltem aqui, que eu os levo a comer num bar para Europeus.
Subiram aos quartos, pelas escadas que elevador não existia, apesar de terem ficado num 3º andar.
Depois do banho e da troca de roupa e uma rápida aparadela à barba voltaram os três para o encontro combinado.

- Vamos lá então comer qualquer coisa, vamos perto do Porto a um bar que tem sempre, bom marisco, peixe ou carne e só fecha pelas duas, eu depois os trago ao Hotel. Disse o de transmissões
- Toca a mexer então. Disse Carlos.

Chegados ao Bar, o de Transmissões cumprimentou o do Balcão e falou.
- Caneca para mim, para os meus amigos, gigante e cerveja.
Carlos, o Cabo-Verdiano e o Almodôvar se entreolharam com o á vontade do Transmissões. Nada disseram, deixaram correr o marfim, para ver o que era essa coisa do “Gigante”.
O do Bar colocou quatro canecões de um litro de cerveja cada, no Balcão frente a cada um e falou qualquer coisa para a cozinha que nenhum percebeu. Colocou uns pratinhos com tremoços e azeitonas no Balcão.
- Tremoços, azeitonas? Interrogou o de Almodôvar.
- Quem vem mais a este bar são portugueses europeus, e azeitonas e tremoços são coisas mesmo nossas, por isso este gajo tem sempre cá disso, as manda vir da Metrópole.
Os “maçaricos” ou “checas” como eram tratados os que chegam pela primeira vez a Moçambique, anuíram na explicação dada pelo de Transmissões, ainda nem meio pratinho da saudade tinha sido deglutido, quando o do Bar, apresenta a cada um, prato com dois camarões Gigantes (Tigre) que tinham sido passados pelas brasas, vinham abertos ao meio e regados com bastante manteiga. Colocou sobre a mesa três pequenos frascos de molho picante.
- Este é feito cá em casa é do bom. Disse o do Balcão e foi atender outros que iam chegando.
- Cuidado com isso, pica que se farta, não faz mal, mas dá um aquecimento do caraças.
- Todos riram. Colocaram um pouco de picante nos bichinhos.

Conversa puxa conversa e mais conversa, e mais um canecão para cada um e mais um prato dos tais gigantes.

Estavam todos bem dispostos, quando Carlos interroga o Transmissões.
- É pá, diz-me cá, só vives destes expedientes.
- Eu ainda estou na tropa, mas preciso da casa, tu não perdes nada, pelo contrário só ganhas, não andas por aí perdido e a comer porcarias, aonde te trago são pessoas sérias, não te levam mais por isso e eu vou ganhando uns trocos.
- Queres dizer percentagem pela despesa?
- Sim, mas a minha despesa é por conta da casa, só pagas a tua e ao preço da casa, ganhamos todos.
- Á minha custa.
- Repara que a terias de fazer na mesma.
O Almodôvar que estava atento à conversa.
- Na verdade tens razão, se aqui viesse sozinho ou me apresenta-se no hotel, tinha a mesma despesa.
- Por mim está tudo bem. Disse o Cabo-Verdiano já aquecido com os dois litros de cerveja no buxo.

Mas a noite ainda mal tinha nascido, ainda era criança.
- Bem agora pago eu a primeira rodada, mas não aqui, noutro lado, para vocês não esquecerem a vossa primeira noite em África.
- Vamos lá então. Disse Carlos que estava descansado, só tinha trazido um conto dos dez, pois como medida de precaução tinha deixado o resto no quarto de hotel.

Os primeiros momentos e as primeiras sensações estavam adquiridos. A partir de agora “vamos lá cambada todos à molhada” era o pensamento positivo de Carlos a funcionar no pleno.

Continua….

Karl d'Jo Menestrel
21/02/2010

15 fevereiro 2010

Primeiros Momentos ** Luanda

Baía de Luanda no inicio da noite

Depois de servido o almoço, um prato de fatias finas de carne assada com puré de batata, regada com laranjada e um café no final.

Carlos ainda fumou um cigarro no fundo do avião onde estavam outros camaradas, necessitava de esticar um pouco as pernas, até aquele momento o voo tinha decorrido sem qualquer incidente.

Tomou conhecimento com outro camarada, este da Arma de Artilharia, ora a Escola Prática de Artilharia ficava somente a 55 km de Évora em Vendas Novas.

- Como te está a correr a viajem, iniciou Carlos, para meter conversa.
- Doem as pernas de tanto estar sentado, e tu?
- Um pouco dorido, mas nada de anormal, tinha que as estender, por isso vim até aqui para circular um pouco.
- Já reparaste que vai também um Brigadeiro disse o de Artilharia
- Não, onde!
- Lá mesmo em frente, logo a seguir á cabine do piloto.
- Isto calha a todos, retorquiu Carlos.
- Donde és?, perguntou o de Artilharia
- Évora e tu?
- Sou de Almodôvar, sabes onde fica?
- Sei depois de Beja, para o lado da raia, no caminho para Castro Verde, à esquerda.
- È isso.
- Para onde vais, perguntou Carlos
- Para Cabo Delgado, Mocimba da Praia.
- Vais em rendição individual? Eu vou substituir um Segundo de Engenharia em Vila Cabral no Norte de Moçambique.
- Isso é no Niassa não é? Perguntou o de Artilharia.
- É, mas não fica perto do Lago, a Companhia cobre toda a Província do Niassa e está agregada a um Agrupamento em Nampula.
- Estás com sorte, ainda ficas em Nampula
- Era bom era, afirmou Carlos.
- Onde estás sentado?
- Pouco à frente da asa, e tu?
- Junto à asa
- Então estamos perto, como tens sentido a viajem? Voltando Carlos ás perguntas.
- Bem, nunca tinha andado de avião, mas vai-se bem, apesar de ser um pouco cansativa e de nos podermos mexer pouco.

Vai chegando perto deles o Cabo-Verdiano, que aproveitou também para esticar as pernas, as apresentações da praxe desta vez iniciadas por Carlos, tomando logo o de Artilharia a iniciativa de tomar conta da conversa.

- Isto vai ser bom para ti. Dirigindo-se para o Cabo-Verdiano
- Porquê? Por ir para um hospital, nada garante que lá fique. O hospital é uma espécie de depósito, depois de me apresentar, posso ir substituir um diabo, a um qualquer buraco no mato, não é tão fácil assim, e sobre ir para a mata, se a companhia for, tenho que avançar também, tu pensas que maqueiros e enfermeiros têm vida fácil, não é bem assim, se ficar no hospital, aí sim a vidinha cá do rapaz é outra, por enquanto é tudo uma incógnita a vossa e a minha.
Carlos para desanuviar, perguntou.
-Está alguém á vossa espera na Beira? Como se vai se processar a nossa chegada, já que só nos temos de apresentar em locais diferentes no Norte e não na Beira?.
- Não sei como se vai como vai ser a chegada, mas deve ter alguém para dar alguma indicação. Disse o de Artilharia
- Não sei bem, mas devemos de ir ter à messe de Sargentos para comer e dormir e ali alguém deve dar umas dicas não? o que achas tu disse virando-se para Carlos.
- Coloca mais hipóteses na mesa e vais ver que não é nada disso, eles têm de ter alguém que dê informações. Sabes onde é a Messe?
- Eu não? Aquilo não deve ser uma aldeia, e que eu saiba Aeroportos Internacionais e com bastante movimento, não ficam no centro da cidade, por isso não vou pensar nisso, quando lá chegar logo veremos como é, vocês sabem se dão de jantar?
- Duas refeições, vê lá se queres um lanchinho, uma cerveja com uma sandes de leitão, serve? Disse o de Artilharia
Riram os três, eles já sabiam como as coisas se passavam na tropa. Carlos replicou.
- Se nada mais houver, começas cedo a comer ração de combate que te lixas.
- Não era assim tão mau, o problema é que azeitamos isto tudo com as latas de sardinha.
Voltaram os três a rir com a ideia da ração de combate para o jantar.
O de Artilharia mudou o rumo à conversa.
- É pá, há pouco estive a pensar que provavelmente, ficamos em Luanda e só partimos amanhã para Moçambique, é que já é noite em Luanda quando lá chegarmos.
- Achas? Disse Carlos e continuou
- Eu penso que é uma escala técnica para meter gasosa e continuar viajem. Olhem descolámos ás 11:30 mais 8:00 dá 19:30 nossas mais 1 horas de diferença dá 20:30 em Angola e em Moçambique são 21:30, não sei é quanto tempo demora esta porra de Luanda à Beira.
- És capaz de ter razão, o voo tem como destino final Moçambique, deve ser mesmo escala técnica, não tem sentido levar maralha para Luanda e carregar mais malta para a Beira, isto é directo. Disse o de Artilharia
- É pá será que a malta estica as pernas em Luanda, ou ficamos na lata o tempo todo?.
O de Artilharia e Carlos encolheram os ombros, indicando assim que nenhuma ideia faziam do que se iria passar em Luanda.
O de Artilharia e Carlos, fumaram mais um cigarro e continuaram os três na conversa, quando os cigarros terminaram foram para os seus lugares.

Já sentados, o Cabo-Verdiano disse para Carlos.
- Vou passar pelas brasas, a noite vai ser longa pelo que vejo.
- Consegues dormir? Disse Carlos
- Já dormi e vou continuar, vê lá se dás o beliscão com menos força?
- Desculpa pá, não foi beliscão, foi uma cotovelada, na próxima mando a hospedeira acordar-te. Disse Carlos enquanto sorria.
Mas também Carlos acabou por dormitar.

A Voz do altifalante, se fez ouvir novamente, era o Comandante indicando que estavam a se aproximar de Luanda e que estavam 28 º na área do aeroporto.

O Cabo-Verdiano acordou e Carlos também, Carlos não deixou a passagem em claro.
- 28 º e às 8 horas da noite! Porra a coisa é quente mesmo.

Se faz ouvir agora a voz do comissário, para os passageiros irem para os lugares, endireitarem as cadeiras, apagarem os cigarros e apertarem os cintos.

Carlos virou-se para o Cabo-Verdiano,
- Jantar “nikles”
- Já era de esperar, vais ver, vem ração de combate a caminho de Moçambique.
- Venha o que vier, “morre”
Riram os dois e se aconchegaram nas cadeiras. Era a primeira vez que Carlos iria aterrar num avião, se encontrava expectante.

O Avião começou a descer, Carlos começou a vislumbrar lá muito em baixo, as luzes que provinham do casario, o Avião baixando e Carlos não tirava o nariz da janela.

- É pá Luanda é bonita toda esta vista, olha aquilo. Era a lindíssima baía de Luanda, um espectáculo fantástico que o deslumbrava.

O avião faz-se á pista, Carlos vê da janela toda a aproximação da aeronave, no momento em que o avião aterra sente os solavancos provocados pela travagem na aterragem, nada de especial se passa, o avião já rola na pista, sente-se fortemente o barulho dos motores, depois tudo se acalma, o avião rola suavemente para junto de uma aerogare.

“Senhores passageiros, queiram ficar nos vossos lugares com os cintos apertados e não fumarem, estamos executando uma escala técnica de trinta minutos para reabastecer e continuar o voo para Moçambique”.

- Em Luanda, enlatados e presos ao banco, no mínimo, que nos deixassem cheirar o ar de África. Disse Carlos para o camarada de cadeira.
- Quanto tempo nisto?
- Sei lá. Disse Carlos e continuou.
- Quantos litros levará o bicho nas asas?
- Não sei mas devem ser muitos, retorquiu o Cabo-Verdiano

Carlos pela janela viu dois Camiões grandes de uma companhia de combustíveis, aproximando-se do “Boeing”.
- Olha pela parte de baixo, deve levar uns 30.000 litros de combustível.

Passaram-se trinta longos minutos, quando o altifalante voltou a se ouvir, “Queiram endireitar as cadeiras, o voo vai continuar e terá a duração de 2:30h até ao aeroporto da Beira em Moçambique”.

O Cabo-Verdiano deu um ar de graça.
- Vamos lá prá guerra que estar enlatado não tem graça.
- Carlos sorriu, ajeitou-se na cadeira preparando-se para levantar do voo.

E iniciou um cálculo para a hora da chegada

19:30h nossas mais 2 horas de diferença dá 21:30 em Moçambique, com mais 02:30 para a Beira dá 24:00, virou-se para o Cabo-Verdiano.
- Com sorte e vento pelas costas ainda chegamos hoje à Beira, não tarda nada e dão uma ração de combate à maralha.
- O Cabo-Verdiano, nada disse, só anuiu com a cabeça

Karl d'Jo Menestrel
14/02/2010

12 fevereiro 2010

Primeiros Momentos * * Durante o Voo

Imagem de despedida de Lisboa (Actual ponte 25 de Abril, na altura denominada ponte Salazar)

Carlos retirou o cinto, que o ajustava na cadeira quando existiu autorização para tal, ajeitou-se no assento, puxou por um cigarro que acendeu de imediato e ofereceu o maço ao moço que seguia a seu lado, um mulato Cabo -Verdiano Furriel enfermeiro.
- Queres um cigarro?
- Não, não fumo, obrigado.
- Incomoda-te que fume?
- Não pá, fuma á vontade, replicou o Cabo-Verdiano.
 Na altura não havia tantos africanos em Portugal como hoje em dia, Carlos volta à conversa enquanto saboreava o cigarro.
- De onde és?
- Sou Cabo-Verdiano da cidade da Praia.
-E a tua especialidade? Pergunta Carlos.
- Enfermeiro
- Eu sou Sapador de Engenharia e vou para Vila Cabral em Moçambique, e tu?
- Vou também para Moçambique para o Hospital de Mueda.
- Vou para uma companhia de Engenharia, replicou Carlos
Feitas as apresentações, ficaram os dois mudos, Carlos continuou fumando o cigarro enquanto olhava pela janela do avião, só via nuvens por baixo, estranhava não ver mais nada que não o sobre voo sobre os castelos de nuvens.

Terminou o cigarro e voltou a dirigir-se ao mulato.
- Os gajos dão qualquer coisa para trincar, ou é a seco até Luanda, ainda são algumas boas horas até lá?
- É pá não sei, quando vim de Cabo-Verde para cá, deram um prato de carne e era menos tempo, mas também foi na TAP (Transportes Aéreos Portugueses) agora com a tropa, não sei.
- A carne para canhão é tratada a pão e água, se calhar não vai haver nada para matar o bicho.
- Ná Pá, com os graúdos que aqui vão! Vais ver que dão no mínimo almoço à maralha, retorquiu o mulato à intervenção de Carlos.
Novamente os dois se quedaram mudos e retornaram aos pensamentos de cada um, enquanto eram embalados pelo barulho dos motores.

Carlos começou a recuar no tempo e a recordar-se de como tudo tinha começado até ali.

Tudo se iniciou em Agosto de 1969 quando das inspecções para o serviço militar, por essa altura com 18 anos, Carlos sonhava em ficar livre da “tropa”, pois tem uma deficiência visual num dos olhos de nascença, para mal dos seus pecados, naquele ano tudo foi aprovado, até um coxo, bem coxo ficou aprovado. A aprovação de Carlos foi para todo o serviço militar, na gíria dos mancebos da altura “ Carne para canhão”.
Estudava em Lisboa, tinha acabado os estudos secundários na capital do Alto Alentejo e para continuar os estudos só na Capital. O exame ao físico era feito no D.R.M. (Distrito de Recrutamento Militar), os das aldeias iriam fazer um bailarico da passagem “se consideravam agora homens”, nalguns a barba mal tinha começado a despontar. Toda aquela fila de mancebos nus era caricata… E quando um capitão médico os mandava dobrar para espreitar o que não vê? Alguns não resistiam e davam a sua gargalhada, para logo um Primeiro enfermeiro, os mandar calar e guturalmente gritar “Silêncio”.
Na saída não existia festa, todos sabiam o destino, as guerras no Ultramar Português se tinha iniciado em Angola em 1961 e rapidamente se propagara à Guiné e a Moçambique, poucos seriam os que ficariam na Metrópole (Portugal), a ver a banda passar. Os de maior sorte, iriam para Timor, Macau ou para S.Tomé, mas eram poucos os que alcançariam estes paraísos, pela certa teriam o continente africano no seu caminho e como companhia a mais fanática companheira durante os dois anos de estadia a “gatilhografa” standard do Exercito Português, a menina mais estimada, a famosa G3.

Lembrou-se de como foi parar á Arma de Engenharia. Tinha feito os psicotécnicos durante a recruta, para tentarem saber das melhores aptidões. O resultado dos mesmos nunca os soube até à semana de campo, a penúltima semana de recruta. Na semana de campo foi indigitado para comandar sempre um grupo de colegas recrutas como ele, esta indicação estava reservada para todos aqueles que o capitão da companhia tinha escolhido para irem para cadetes da Escola de Oficiais Milicianos do Exercito sediada no convento de Mafra.
Numa das noites da semana de campo e em conversa com o Instrutor que era de Tomar uma cidade perto do seu local de nascimento, perguntou-lhe Carlos, o que tinham dado os psicotécnicos o instrutor confidenciou que tinham no registo a Arma de Engenharia. Nessa noite Carlos dormiu pouco, ir para Alferes e comandar um pelotão de homens isso era ir pela certa para profissional do “gatilho”, a outra opção seria continuar a carreira da família e aproveitar a oportunidade de aprender mais um pouco. Na manhã seguinte, Carlos tinha tomado a opção preferia a Engenharia ao gatilho da arma.
Deixou terminar a semana de campo e na volta ao Regimento de Infantaria Nº 5 pediu para falar com o capitão.

- Meu capitão dá-me licença. Perguntou na porta do gabinete.
- Entre instruendo, que pretende.
- Vinha informar o Capitão que sei que estou indigitado para ir para Mafra
O capitão interrompeu o discurso preparado
- E então não está contente
- Bem meu Capitão, também sei que os psicotécnicos me colocam na Engenharia e…
Novamente o Capitão o interrompeu
- Não venha com merdas, se não quer ir para Oficial diga logo, que outros estão em pulgas e na bicha para irem para Mafra.
- Meu Capitão prefiro a Engenharia, pois era o que fazia na vida civil.
- Mas agora já não é civil é militar e militar vai para onde o mandam, retire-se.
Carlos ainda esboçou argumentar mais um pouco, mas o capitão voltou à carga.
- Retire-se, é surdo.
- Carlos deu um passo atrás, bateu a continência, rodou sobre os calcanhares uma meia volta perfeita, bateu com o pé no chão e saiu do gabinete do Capitão.
- Foi ter com o Instrutor que lhe tinha dado o resultado dos testes e deu-lhe a indicação que o Capitão tinha ficado chateado com o pedido.
- É pá o gajo tirou aqui a recruta, depois foi para Mafra e fez uma comissão em Angola, na volta fez contrato por quatro anos, o tipo pensa que os que aqui chegam acham o máximo irem para Oficiais.
- O Gajo deve estar choné ou gostar muito da tropa, eu prefiro a Engenharia, mas se o gajo me foder, nada posso fazer, chumbar em Mafra não, que ainda vou parar a cabo.

Ultimo dia de recruta, mandaram a maralha formar na pequena parada da companhia, já todos tinha Jurado Bandeira.

Com a formatura na ordem de à vontade, começou o Capitão a indicar onde teriam de se apresentar os instruendos para a continuação da instrução militar, agora chamada de especialidade. A maioria ia para Tavira tirar a especialidade de Atirador de Infantaria, quando chegou a vez de Carlos, lhe foi dada a indicação que iria para Sapador de Engenharia, Carlos não se desfez, pois enquanto ia falando o Capitão não tirava os olhos dele.
Veio a ordem de destroçar Carlos dirigiu-se ao Capitão
- Meu Capitão, obrigado.
- Fique sabendo que você é parvo. Foi a resposta seca do Capitão enquanto se dirigia para a secretaria da companhia.
Parvo ou não, antes andar a comandar homens de pá e pica do que andar aos tirinhos na mata, foi este o pensamento de Carlos.

Pelas 13 horas o altifalante da aeronave voltou a funcionar, desta vez para dar a informação que iria ser fornecida uma refeição.

Carlos volta-se para o Cabo-Verdiano, que entretanto tinha adormecido.
- Pá os gajos sempre vão dar de almoço à rapaziada.
- O quê almoço, tá bem, já cá cantava, já. Respondeu o cabo-verdiano meio estremunhado do acordar repentino que a cotovelada de Carlos tinha provocado.


Karl d'Jo Menestrel
12/02/2010

10 fevereiro 2010

Primeiros Momentos * * A Partida

O Boeing 707 dos TAM (Transportes Aéreos Militares)

O autocarro passou a porta de armas onde dois soldados da Polícia Aérea faziam o controle e guarda e parou junto a um enorme hangar que serve ainda de recepção das tropas militares a embarcar.

Carlos nunca andou de avião, sentia o pequeno frio da primeira vez. O serviço militar é assim, “Maria vai com as outras”, alguns o que já eram conhecedores das manobras, começaram a dirigir-se para o grande portão do hangar que estava levemente entreaberto. Ao passar o portão, ficou espantado com o enorme vão livre de todo o hangar, aquilo era enorme, mais parecia um campo de futebol.

Se voltaram a reagrupar alguns grupos, mas a maioria se mantinha isolada, poucos eram os que se conheciam entre eles, coexistiam naquele imenso espaço umas 180 pessoas mais meia dúzia menos meia dúzia, de todas as mais diversas armas e patentes.

Estavam por ali especados, olhando uns para os outros que nem parvinhos que tinham perdido qualquer coisa e agora nada encontravam. Uns se encostavam ás paredes, outros de mãos dos bolsos, mais uns arranjando o dólmen, como se aquele andrajo tivesse por onde lhe pegasse. Carlos se mantinha calmo e em tudo reparava, um retirou a boina ajeitou o cabelo e a recolocou na cabeça com todos os cuidados, como em frente de um espelho estivesse e fosse mostrar pela primeira vez a farda “Feijão Verde” à namorada, Carlos sorriu com a presunção, outro esfregou os sapatos nas calças, por traz das canelas, mais uns que andavam de um lado para o outro não escondendo o nervosismo da sua primeira viajem aérea.

Num repente e pelas 11:00 um altifalante ribombou e uma voz masculina começou a dar informações.

- Linhas Aéreas Militares, Srs. passageiros queiram dirigir-se ao portão azul com o Bilhete que lhes foi entregue na mão.
Carlos não se moveu, deixou que os já sabidos se movessem primeiro, seguindo o velho princípio militar que tinha aprendido no tempo de recruta nas Caldas da Rainha “ Maria vai com as outras, se não sabes, esperas para ver”.

Voltou a voz no altifalante “ Embarque para Luanda e Beira”

Esta era nova para ele, passagem por Angola, “nada mau, telho família por lá, sempre vou dar um abraço, os gajos poderiam ter dito antecipadamente e avisaria a prima”, pensou Carlos, por fim entrou na fila, que isto da tropa é tudo na fila, na linha ou na bicha, não existe opção na escolha.

Chegou ao portão onde todos iam entregando o bilhete de embarque, onde um soldado da força aérea ia retirando parte do bilhete e entregando o restante de volta ao portador.

Caminhou para fora do hangar, sentiu o ar frio na face, parou para ler o que restava do bilhete, uma série de números onde um deles indicava a cadeira onde se sentaria no avião, Carlos disse entre dentes,
- Espero que seja junto a uma janela, sempre dá para ver por onde se passa.

Carlos pensaria que andar de avião é igual a carruagem de comboio!

A fila se manteve agora na direcção do Boeing 707 dos TAM, não teve de andar muito a aeronave estava junto ao hangar.

Reparou então no tamanho do avião o achou enorme, uns soldados levavam uma escada do tipo triângulo recto para junto da porta perto do “focinho” (Cockpit) do avião a fila tinha parado para as manobras necessárias na instalação da escada. Em terra se mantinha um soldado, todo aprumado que ia repetindo cuidado que os degraus estão húmidos enquanto a fila era engolida para o bojo da nave aérea.

Entrou pela primeira vez num avião, sorriu como criança, mostrou o bilhete ao soldado que executava a recepção e este lhe apontou por perto uma cadeira junto a uma janel. Ainda pensou “ ainda há anjos”, colocou o saco entre as pernas e manteve-se de pé vendo qual o comportamento a adoptar com o saco, reparou que alguns abriam a tampa de uma caixa e colocavam lá os haveres de mão. Reparou que ninguém usava mala, só o característico sacão militar. Imaginou que em lugar de bagagens como já tinha visto no Aeroporto da Portela o bojo do avião iria repleto de material militar, ou de material logístico mais urgente.

Novamente um altifalante, se fez ouvir.
Agora um Coronel das FAP informando que era o comande do voo e piloto principal tendo como co-piloto um Tenente-Coronel das FAP, lá disse o nome dele e do seu auxiliar. Deu indicações do tempo em Luanda e que chegariam dentro de 8 horas à capital Angolana.

Logo após ter falado o altifalante da aeronave se fez ouvir, outra voz, desta vez um cabo das FAP dando as indicações necessárias para o aperto dos cintos, iniciando de seguida uma ladainha sobre os procedimentos a ter em caso de alguma emergência.

Carlos vira-se para o passageiro que tem a seu lado e num desabafo.
- Para quê esta merda toda, se a lata cai nem o sebo dá para aproveitar, o outro deu um sorriso amarelo e se mudo estava, mudo ficou.

O avião inicia a marcha rolando lentamente para a pista, Carlos ia espreitando pela janela todo o movimento que se processava no exterior, perto da entrada da pista o aparelho parou, achando estranho o procedimento, tentou encontrar uma explicação para a paragem, muito pouco tempo se passou e lá volta a rolar agora para uma pista bem larga, se ouve o ensurdecedor ronco dos motores e o 707 começa a rolar cada vez mais veloz, percorrendo rapidamente a pista até que saiu de terra elevando-se rapidamente nos ares.

Respirou de alivio e da janela, via Lisboa, toda uma imensidão de casario, passando junto à ponte Salazar ficou admirado com a deslumbrante paisagem que dos ares se podia recortar.

Carlos não tirava os olhos de Lisboa, como de menino deslumbrado fosse. Ainda disse para consigo “Adeus Lisboa, assim que puder eu volto, prometo”. E voltou nem uma nem duas, volta sempre que pode, gosta de se sentar numa das esplanadas na Rua Augusta e ver as “garinas” passar.

Karl d'Jo Menestrel
10/02/2010

08 fevereiro 2010

Primeiros Momentos * * Nos Adidos


8:00 da manhã, Carlos passou o enorme portão de acesso a Lanceiros 2, parou, percorreu com o olhar a enorme parada, procurando para onde se dirigir, por fim percorreu resoluto os longos metros que o separavam da construção principal e que ele achou que poderia ser a companhia de adidos. Reparou numa série de bancos de madeira, ia colocar o saco num deles, mas estavam molhados pela orvalhada da noite e da madrugado, resolveu colocar o saco na calçada e ficou expectante olhando ao redor, um cabo passou perto e Carlos lhe dirigiu a palavra.
- Nosso cabo, onde fica a companhia de adidos.
- Logo em frente. O cabo se aprontava para continuar a caminhada, quando novamente Carlos o interpelou.
- Não vejo ninguém por ali, quando abre a secretaria.
- Já abriu meu furriel, alguns já lá estão.
- Obrigado.
Agradeceu e pegando no saco se dirigiu para onde o cabo indicou. Transitou por uma porta larga e alta que deu acesso a grande sala, onde no final da mesma se encontrava um Primeiro-Sargento e diversos cabos. Entrou numa das filas onde já se apinhavam alguns com a mesma parida sorte. A fila andava rápido, só se ouvia a voz dos cabos e do Primeiro, no rosto de todos estava estampado o sorriso amarelo que a desdita ditava. Carlos reparou que a grande maioria eram jovens como ele, mas por ali estavam todas as patentes de um Exercito.
Chegou por fim a vez.
- Bom dia. Disse o cabo
- Carlos apresentou a documentação que lhe tinha sido entregue uma semana antes em Tancos na Escola Prática de Engenharia.
- Bom dia cabo.
- O Sr. tem de ir ter com o nosso Primeiro.
Carlos olhou para a esquerda onde estava um Sargento, entradote e pesado, saiu da fila e entrou na outra onde no principio da mesma estava de pé atendendo o Primeiro-Sargento.
 Chegou a sua altura de atendimento.
- Bom dia Primeiro. E voltou a apresentar a papelada, dois simples documentos e a sua caderneta militar.
- Bom dia. Retorquiu o Primeiro
- O Senhor já sabe para onde vai, não é verdade?
- Sei sim, vou para férias em Moçambique, respondeu Carlos metendo graça para desanuviar algum nervosismo que no momento sentia.
O Primeiro sorriu
- Espero que se divirta então. Ficando com os dois documento, entregando mais outros dois, mais um papel que mais parecia um bilhete de avião e continuou.
- Todos os documentos são para entregar na 2ª Companhia de Engenharia do Agrupamento de Engenharia de Moçambique, vai para Vila Cabral na Província do Niassa substituir um 2º Sargento a sua comissão é uma rendição individual, estes papelinhos. Apontado para o que parecia ser um bilhete de avião.
-É para entregar na Base Aérea e lhe será dado outro em troca, tenha então umas boas férias Furriel. Despediu-se assim o Primeiro ajeitando-se na brincadeira.
- Deus o oiça, Primeiro, já agora como vou para a Base.
- Um autocarro da Força Aérea os vêem buscar pelas 9:30
- Obrigado e bom dia para o senhor. Se despediu Carlos do Primeiro.
Voltou para a parada, desta vez colocou o saco num banco e se sentou em cima do mesmo enquanto sentia o aconchegante agasalho da gabardine militar.

Voltaram os pensamentos de sair. Ainda estava a tempo de sair pela porta de armas e dizer adeus a tudo, criar nova vida algures, nova identidade, pedir asilo político e sair do tormento de ideias.

Analisava os rostos, desde os mais jovens aos mais graduados, os mais velhos encontravam conhecidos de outras paragens e se juntavam em grupos, mas ele bem reparava que a tranquilidade dos mesmos era aparente. Novos e velhos levavam cigarros aos lábios em baforadas intermitentes, como esses fossem os últimos cigarros da vida.

Perguntou a um capitão se sabia de algum bar por ali, o capitão lhe indicou por onde ficavas o bar. Para lá se dirigiu.

Pediu ao soldado uma sandes de presunto e um refresco de laranja “Sumol”, um pacote de bolachas “Maria” para a viajem. Depois de saborear a sandes e a laranjada, pediu um café, o qual saboreou juntamente com um cigarro, pagou e lhe veio a ideia que seria a última refeição em solo Pátrio.

Chegara por fim o autocarro da Força Aérea, Carlos lembrou-se do irmão, que tinha partido para a Guiné como motorista da Força Aérea, por pouco não lhe vieram as lágrimas no momento, não tinha tido autorização do comandante do curso de minas que estava a tirar na altura, para se poder despedir dele no embarque. O nó que tinha na garganta se desfez quando ouviu chamar pelo nome para entrar no Autocarro pintado de azul.

Faltava um minuto para a hora que o primeiro tinha indicado 09:30.

Saiu o autocarro no sentido contrário que tinha percorrido anteriormente, atravessou Lisboa de ponta a ponta e absorveu todo um sentimento de despedida, olhando para tudo como da última vez se trata-se, lembrou-se da frase do cigano, “Ultima compra em Portugal”, mas logo pensou… puta que o pariu… merda de cigano.

Chegaram frente ao grande portão da Base Aérea de Figo Maduro, paredes-meias com a grande entrada de Lisboa o Aeroporto Internacional , também conhecido por da Portela.

Um último pensamento e ainda dentro do autocarro. “ Não existe volta a dar, agora é ir e voltar”

Karl d'Jo Menestrel
08/02/2010

07 fevereiro 2010

Primeiros Momentos * * Perguntar Ofende?

Perguntar ofende?

Carlos subia a calçada da ajuda para se apresentar em Lanceiros 2, ia taciturno naquela manhã de inverno, recordava as últimas palavras do Pai e da Mãe, pois tinha-se despedido na madrugada, tinha saído da casa que lhe tinha sido até agora, o lar do seu recolhimento. Não queria que ninguém dos seus mais queridos por perto, naquela hora de separação. Momento que ele sentia como o mais delicado de sua vida, era o salto para o desconhecido, para todas as incertezas.

Tinha passado a semana a despedir-se da família, dos amigos e de todos os mais próximos, percorreu seca e meca para chegar perto de todos eles.
No pensamento lhe fervilhava as fontes, ainda estava a tempo de atravessar a fronteira e dar pulo até França ou mesmo a Argélia. Assim se veria livre da teia que lhe estava próximo a cercear toda a mocidade, vinte e dois anos plenos de força, jovialidade e saúde, que iriam descer aos infernos, ainda está a tempo de seguir o que não deixava dormir há algumas noites.

Na íngreme calçada, devidamente ataviado, dentro daquele fato se sentia apertado e o saco de viagem com poucos haveres lhe pesava como peso em excesso, pois se brigavam as vontades do menino e moço.

Acordou num repente dos seus pensamento obscuros, com a chegada do corpulento cigano.
- Senhor quer comprar um relógio? E toca de mostrar duas mãos cheias de relógios por entre uns lenços não muito limpos por tanto manuseio.
Carlos parou, olhou o cigano de alto a baixo, e continuo a subida, o cigano foi no encalço e continuou o cerco.
- Senhor são de excelente marca e dou garantia.
Carlos parou, olhou o cigano nos olhos e lhe retorquiu um seco.
- Não.
Voltando o vendedor contrabandista à carga.
- Não são caros os relógios e lhe fará falta, pois estes têm cronometro.
Novamente Carlos parou, voltou a olhar o cigano e com cara de poucos amigos.
- Meu amigo, o momento não é para comprar relógios, hoje estou imensamente chateado e sabe o porquê não sabe?
- Sei, mas que quer, é a vida.
- É uma vida de porra, nem sei se o que vou fazer é vida.
- Mas isso não o impede de ter um bom relógio.
Carlos não retorquiu e voltou à subida, alargou o passo, o largo portão de Lanceiros já estava perto. Mas o cigano, não queria largar a presa.
- Senhor lembre-se que é a última compra que faz em Portugal.
Aí Carlos desesperou “ última compra em Portugal”. A frase caiu como ave de mau agoiro. Parou novamente, virou-se para o cigano e lhe gritou.
- Porra! Largue-me de mão seu caralho.
O cigano não esperava uma acutilância tal e respondeu baixinho.
- O Senhor desculpe, “Mas perguntar ofende”?
Carlos, sorriu.
- Que tenha bons negócios…Atravessou a avenida e entrou em Lanceiros, onde o Soldado lhe apresentou arma, colocando-se em sentido.

Karl d'Jo Menestrel
07/02/2010

17 janeiro 2010

Brocados d’Alma


Mentir a nossa alma
É criar buracos no coração
É apagar a luz, a calma
E retirar de nós a emoção
É criar sentimento nefasto
É esmorecer o nosso ser
Medrando nas palavras me agasto
Assim por vezes nem posso querer
Que neste meu simples escrever
Minha alma tem brocados
Que não consigo esquecer

São pensamentos baralhados
São imponderáveis pareceres
São neurónios já cruzados
São versos não trabalhados
São encantos doutros seres

No limite da emoção
A poesia se articula
Criando devastação
Vertendo palavra ridícula

Sem prós, contras ou calma
Fechando brocados d’alma

Numa ardente alienação
Que acalma o Coração

16/01/2010
Karl d’Jo Menestrel